segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Bater em mulher é permitido, sob certas condições de temperatura e pressão!


Trabalhar é algo muito bom! O duro é ter ir e voltar do trabalho todo dia como uma bolinha de pingue-pongue vai e volta ao sabor dos golpes da pequenina raquete!
  Estava eu outro dia a voltar do meu ganha-pão, dentro de um ônibus, de pé, coisa, aliás, muito comum nesta metrópole excessivamente povoada que é a Grande São Paulo. Os economistas dizem que a concentração de pessoas gera ganhos de escala que justificam a formação desse tipo de ambiente urbano. Discordo, uma vez que tenho de usar o busão e o metrô de segunda a sexta e não vivo de análises nem de teorizações econômicas. Mas, como estava dizendo, eu ía de pé e, ao meu lado, havia um banco ocupado por dois, como eu, "felizes" clientes do sistema de transporte metropolitano. Algumas paradas após o início da viagem a pessoa que estava sentada do lado do corredor levantou-se para descer do buso pra lá de coletivo deixando o assento vago. Não hesitei então e, mais rapidamente do que um elétron de oxigênio se desprende de sua antiga eletrosfera para se juntar a um novo elemento, repousei minha bolsa sobre o banco para aliviar o peso que sentia sobre meus ombros e também para guardar um livro que teimosamente havia estado a ler, a despeito da indomável e selvagem trepidação do veículo.
  Enquanto dava conta da minha tarefa não notei que, atrás de mim, um ser, humano, ansioso, espreitava as minhas atitudes. Eu não havia ainda terminado de enfiar o livro na bolsa pois umas folhas de papel bloqueavam sua passagem. Resolvi então que tiraria as folhas antes de colocar o livro e depois as poria de volta a seu lugar. Estava exatamente no meio da consecução desse intento quando uma voz feminina interrompeu-me com um tom demandante: "Vai sentar?", ao que eu disse: "Não, fique à vontade." Ela, sem esperar que eu desocupasse inteiramente o lugar que, reconheço, deveria ser exclusivamente destinado ao solene descanso de nossos bumbuns, pôs seu desconhecido traseiro em processo de assentamento sobre o equipamento de repouso e, por tabela, em rota de colisão, melhor dizer esmagamento, de meus humildes porém dignos pertences. Tão rapidamente quanto percebi a inconveniência da grosseria removi minha bolsa, ainda com o livro e as folhas na mão, para salvá-la daquele que seria seu trágico final. Indignado e ofendido não me contive com tamanha afronta ao meu ser costumeiramente tão gentil e falei: "Não dava pra esperar? Eu já estava saindo!" No exato momento em que eu tive a absurda ousadia de proferir essas palavras a estranhíssima figura levantou-se num átimo, com o semblante completamente transtornado e já vociferando as seguintes palavras - eu gostaria aqui, caro leitor, de ser o mais direto e objetivo possível, mas também de me comprometer com você quanto à veracidade deste relato: que as almas dos meus antepassados voltem do além ou do aquém para me assombrar ad eternum caso eu esteja mentindo - ela disse, com o dedo em riste e vindo em minha direção: "Vai tomar no seu c..., seu filho da p..., te quebro os dentes!!!!". Amigo, se você já passou por uma situação desafiante como essa com certeza entenderá o que comigo se sucedeu. Tendo a dita cuja se aproximado tão perigosamente de minha pessoa e, ainda por cima, me ameaçado, não pude evitar ser tomado de fortíssima emoção. Talvez o instinto de sobrevivência tenha reacendido em mim a reação de fuga ou luta, que insiste em acompanhar o ser humano mesmo após a sua domesticação por si mesmo há dezenas de milhares de anos atrás. Neste caso, lutei. Tendo terminado já de falar e ainda com o dedo em riste a mulher agora me fitava com olhos odiosos, desferi-lhe então um soco certeiro na altura da boca do estômago. Diferentemente do que imaginara, aquele golpe foi mais do que suficiente para tirar da criatura toda a ação. Permaneci próximo à porta pois minha parada era a seguinte enquanto observava a mulher se contorcer e tentar buscar um fôlego que parecia nunca vir. Sua amiga tentava, com todo cuidado, acudí-la de alguma forma no momento em que me virei para ambas e disse: "Vem tentar quebrar alguma coisa aqui!" Como eu era observado com espanto por todos ao meu redor acrescentei em volume facilmente audível: "Que absurdo! Que desaforo!"

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Enrolação Civilizada

        Caríssimos, prezadíssimos, nobilíssimos, queridíssimos e estimadíssimos senhores e também senhoras, brasileiros e brasileiras, trabalhadores do Brasil e vagabundos nacionais e internacionais, senhoritas casadoiras e solteironas convictas, rapazes amantes de seus amantes, senhores punguistas e cobradores de ônibus, distintas senhoras prostitutas de rua e caríssimos rufiões, excelentíssimos prefeitos e síndicos de condomínios verticais e horizontais, prezados anões de jardim e estátuas de personagens históricos e pré-históricos, ilustríssimas traças de biblioteca, percevejos e ácaros, prezadas bactérias de todas as cepas e, como não poderia deixar de mencionar sob pena de grande injustiça e iniquidade, senhores vírus.
        Antes de usar de minha conhecida objetividade e capacidade de síntese para ir sem pormenores inúteis diretamente ao assunto que a este recinto uma vez mais me traz, gostaria de agradecer a todos por se fazerem tão presentes em todos os momentos de minha árdua e laboriosa vida.
        Queridíssimos, nos últimos tempos temos ouvido falar de uma infinidade mais do que interminável de denúncias contra homens de ilibada e imaculada reputação, como por exemplo este húmil orador que hoje vos fala e modestamente clama pela sua tão honrosa e prestigiosa atenção.
        Mas o que dizer então de relevante a respeito de tais acusações? Não seria eu um ser humano dotado de uma ignóbil disposição para a tautologia e a redundância se qualificasse de levianas tais pretensas denúncias?
        Claro, amantíssimos, devido à total inutilidade de tal ato jamais se daria este seu humilde servo a disputas argumentativas com esses meus tão desinformados detratores!
        Preferível é, sem dúvida, além de muito mais edificante e engrandecedor, olharmos para as belas realizações que alcançamos juntos ao longo de todos esses anos!
        O prazer moral que se sente pelos objetivos que foram bem atingidos não pode ser superado por nenhum outro deleite desta vida terrena. Como sempre fui um otimista por vocação, e também por profissão, é claro, prefiro olhar para o lado bom das coisas, uma vez que essa prática possui o dom mágico de facilitar muito a vida e também de nos fazer enxergar os caminhos da viabilidade ao invés de os muros da impossibilidade, muros esses que nossos críticos tentam, em vão e ingenuamente, colocar entre nós e nossos merecidíssimos sonhos.
        Admito que, nesta minha trajetória de arduíssimas lutas talvez tenha me excedido um pouco na busca augusta da excelência máxima de nossas realizações. Não acredito, no entanto, que tais desvios pudessem ter descaracterizado de forma significativa nossa linha de pensamento nem tão pouco nossa coloração política. Nada, pelo menos, que pudesse ter comprometido a homogeneidade de pensamento de nosso conjunto de apoiadores.
        Por isso conclamo a todos os meus seguidores para que não esmoreçamos diante de nenhuma crítica, por mais injusta, mesquinha e apequenada que a mesma possa ser, continuemos caminhando unidos sobre a mesmíssima trilha que consagrou um trabalho vitorioso, extremamente gratificante, tão frutífero e tão vantajoso ... para todos! Um beijo a vocês. Amém!